Em Portugal, a produção de carne é constituída maioritariamente por dois tipos de explorações. As explorações de produção de vitelos, onde se concentra o efetivo reprodutor, e as explorações de recria e engorda, que trabalham com o efetivo destinado ao abate após o seu crescimento e acabamento (MADRP – GPP, 2007). Obviamente que podemos observar na mesma exploração o efetivo reprodutor, e a consequente produção de vitelos para engorda, e o efetivo destinado a abate mas, aparentemente, a importância destas explorações tem vindo a decrescer em detrimento do sistema de especialização referido no início. Este modelo de produção mostrou ser o mais eficiente e aquele que, mais frequentemente, fornece carne segura e de elevada qualidade para o consumidor (Beef Checkoff, 2009).

No entanto, a transferência de vitelos entre as explorações coloca alguns desafios, devendo ser tomadas algumas medidas no sentido de garantir a sua saúde e bem-estar e manter a eficiência e rentabilidade da exploração. Neste período os vitelos são sujeitos ao stress contínuo, tanto mais intenso quanto mais rápidas forem as alterações efetuadas desde o desmame até à adaptação na exploração de destino. E, se a exploração fornecer boas condições de alojamento para estes animais, só ao fim de duas semanas após a chegada é que poderemos considerar que estes se encontram livres do stress (Wernicki, et al., 2006). No entanto, o stress diminui a capacidade de defesa do sistema imunitário (Blecha, et al., 1984) ocorrendo, por isso, uma maior incidência de doenças durante este período (Gráfico 1).

GRÁFICO 1. Doenças, e sua incidência, em vitelos após chegada às explorações de destino (USDA – APHIS, 2001).

 

A pré-preparação dos vitelos para este período, quando estes ainda se encontram na exploração de origem, parece ser uma prática positiva (Lofgreen, et al., 1979) contudo deverá começar entre 40 a 60 dias antes da mudança para gerar algum impacto na rentabilidade da exploração de destino (Waggoner, et al., 2005). A pré-preparação dos vitelos deverá começar com o desmame e, gradualmente, ir habituando os mesmos às condições de alojamento existentes na exploração de destino e aos alimentos que nela virá a encontrar (silagem, feno, alimentos concentrados, etc.), sendo também administradas as vacinações e desparasitações adequadas.

Quando os vitelos chegam à exploração de destino deverão encontrar locais com espaço adequado ao tamanho do lote, com o material da cama substituído e com bebedouros e manjedouras com boas condições de higiene. A água deverá ser fresca e limpa e a dieta uma mistura composta por 75% de alimento concentrado e 25% de forragem (Lofgreen, 1988), para minimizar os efeitos da baixa ingestão que eles apresentam nos primeiros dias após a chegada (Chester-Jones & DiCostanzo, 2012). Contudo, deverá ser feita uma habituação dos animais a esta dieta e, durante a primeira semana, deverão ter feno de qualidade à descrição.

Após a entrada dos vitelos na exploração de destino, deverão ser executados os protocolos de entrada. Estes protocolos incluem a pesagem dos animais, a aplicação dos brincos particulares, a descorna, caso seja utilizada na exploração, e outras rotinas inerentes à exploração. Obviamente que, se não foi realizada a pré-preparação dos vitelos, estes protocolos deverão incluir as vacinações e desparasitações. Embora não seja necessária a sua aplicação imediata no momento da entrada, estes protocolos deverão ser realizados até ao terceiro dia após a chegada (Lofgreen, 1988) para minimizar o impacto que poderão ter no desenvolvimento e ganho de peso destes animais durante o período de adaptação (primeiros 28 dias).

Se o maneio a que foram sujeitos desde o desmame foi o correto, estes vitelos ficarão em condições de entrar na fase de crescimento sem grandes problemas e apresentarão um bom desempenho durante a mesma. O próximo período crítico será no momento da transição para a fase de acabamento. Enquanto na fase de crescimento procuramos o bom desenvolvimento corporal dos animais com um ganho de peso moderado, na fase de acabamento procuramos um ganho de peso acelerado e a melhoria das características organoléticas da carcaça. Por isso, a dieta desta fase tem menor proporção de forragem, maior densidade energética e menor teor de proteína. A diminuição do tamanho de partícula e da ruminação, juntamente com a maior intensidade da fermentação ruminal e da produção de ácidos gordos voláteis, aumentam a probabilidade de incidência de acidose e alteram a proporção de determinadas estirpes de bactérias que libertam compostos que produzem espumas no ambiente ruminal (Galyean & Rivera, 2003). Como consequência, é maior a probabilidade de incidência de outras patologias nomeadamente a laminite, as manqueiras, os abcessos hepáticos e o timpanismo.

Sendo verdade que a correta formulação dos alimentos concentrados fornecidos a estes animais influencia bastante o controlo destas patologias, será no maneio alimentar que poderemos depositar as melhores esperanças para a transição adequada entre estas duas fases. A distribuição da dieta de forma frequente, e sempre às mesmas horas (Gonzáles, et al., 2012) e o controlo da quantidade distribuída de cada vez (Schwartzkopf-Genswein, et al., 2003) permitem ao animal adquirir hábitos de alimentação e diminuem a fome e a ansiedade. Deste modo, é promovida a ingestão regular de alimento, mantendo a fermentação ruminal mais homogénea e o pH ruminal mais estável ao longo do tempo. O correto maneio da manjedoura origina menos desperdícios de comida, maior facilidade na sua limpeza (que deverá ser feita diariamente pelos tratadores) e melhor saúde para os animais (Figura 1).

FIGURA 1. O correto maneio da manjedoura não deverá permitir que os animais fiquem sem alimento, mas também não pode promover demasiadas sobras de alimento no momento da próxima distribuição (Schwartzkopf-Genswein, et al., 2003).

 

Uma vez que a população microbiana do rúmen adapta-se à dieta que os animais comem habitualmente, qualquer alteração realizada na mesma tem como consequência um reajustamento da comunidade de microrganismos existentes. Por isso é necessário que as alterações sejam feitas de forma gradual e dando o tempo necessário para que o reajustamento ocorra sem prejudicar o ambiente ruminal nem alterar o seu pH (Bevans, et al., 2005). Tradicionalmente respeita-se um período de 3 a 4 semanas para a transição entre a dieta de crescimento e a dieta de acabamento.

Por último, para lá do maneio alimentar também as condições ambientais em que os animais se encontram afetam a sua saúde e o seu desempenho. Condições que promovam a competição pelo alimento, como a falta de espaço de manjedoura, alteram o comportamento dos animais e prejudicam a ingestão, levando os animais a comer menos vezes e em maior quantidade de cada vez. Isso altera o padrão da fermentação ruminal e diminui o pH do ambiente ruminal (González, et al., 2008). Todos sabemos que a ingestão de água tem uma importância enorme para o bem-estar e para o desempenho destes animais. A contaminação da água com as fezes dos animais diminui drasticamente o seu consumo, mesmo em pequenas quantidades (Willms, et al., 2002). O dimensionamento adequado dos bebedouros e a sua limpeza regular melhora a qualidade da água e mantém a ingestão de matéria seca em valores normais.

Ao longo deste artigo referimos os períodos mais críticos no ciclo de vida dos animais de carne. A utilização de regras de maneio adequadas e a elaboração de dietas com alimentos concentrados preparados para ajudar a estabilizar o ambiente ruminal ajudam os animais a ultrapassar estes períodos. Contudo a influência do ambiente na alimentação e no comportamento alimentar destes animais torna necessária a criação de condições de estabulação adequadas para que consigam expressar o seu potencial genético para a produção de carne sem colocar em risco a sua saúde e bem-estar.

Manuel Salgueiro, Eng.º Zootécnico na Ucanorte XXI