Devido às limitações de espaço nos estábulos, algumas explorações leiteiras optam por colocar alguns animais em parques exteriores durante os meses amenos da Primavera e Verão, “aliviando” as vacas em produção. Mais frequentemente são as novilhas em crescimento que são sujeitas a esta mudança, contudo também as vacas secas podem receber o mesmo tratamento. Estes parques, ou mesmo pastos, são locais em terra onde podem existir sombras, água e alimento, oferecendo boas condições para estes animais.
Mas, com a chegada dos meses chuvosos do Outono, rapidamente essas boas condições desaparecem dando lugar a locais húmidos, com condições de salubridade comprometidas. Por isso, os criadores voltam a colocar esses animais nos estábulos, “apertando” um pouco aqueles que estão no interior, para conseguirem lugares para todos. Longe de ser uma prática inofensiva, esta densidade animal elevada provoca efeitos negativos em todos os animais, podendo mesmo afetar a rentabilidade das explorações.
A densidade animal e os seus efeitos
A densidade animal, nas explorações leiteiras, avalia a concentração de animais num determinado espaço. Pode ser definida como superfície de área por animal, espaço de manjedoura por animal ou pelo número de animais por cubículo (De Vries, et al., 2016).
Uma vez que os bovinos leiteiros apresentam comportamento alelomimético, ou seja, o indivíduo adota o comportamento da manada, caso existam mais indivíduos do que lugares gera-se competição pelo acesso aos mesmos. Por isso, a densidade elevada reduz a capacidade da vaca exibir os comportamentos naturais da espécie. (Grant, 2015)
Tabela 1. Distribuição diária do tempo disponível para a vaca pelas diferentes tarefas (Grant, 2015).
Na Tabela 1 podemos ver como a vaca distribui o tempo ao longo do dia para executar as diferentes tarefas. Quando o cumprimento de uma delas é condicionado por limitações existentes, a vaca terá de reorganizar o seu tempo e, geralmente, sacrifica o descanso ou as refeições. Quando o número de vacas por lugar de manjedoura aumenta, as vacas diminuem o tempo que passam a comer e aumentam o tempo que passam em pé, no corredor de alimentação, esperando por um lugar à manjedoura. Além disso, também aumenta a agressividade, havendo mais vacas a afugentarem as outras da manjedoura para terem acesso à comida (Huzzey, et al., 2006).
Igualmente, quando os cubículos são insuficientes, as vacas permanecem mais tempo no corredor à espera de cubículos livres. Também neste caso a agressividade aumenta verificando-se mais casos de vacas a afugentar outras dos cubículos para poderem ocupá-los (Fregonesi, et al., 2007). O aumento do tempo que as vacas passam em pé nos corredores está relacionado com uma maior incidência de problemas de cascos (Greenough & Vermunt, 1991) (Singh, et al., 1993) e a maior agressividade promove stress, em especial nas vacas de hierarquia mais baixa (Huzzey, et al., 2012). A insuficiência de cubículos, e a sua má manutenção, foram identificados como fatores que afetam negativamente a produtividade das vacas (Figura 1).
Gráfico 1. Relação entre a disponibilidade de cubículos e a produção média diária em diferentes explorações (Bach, et al., 2008).
Talvez o menor tempo de descanso, predispondo as vacas a uma maior incidência de manqueiras, a maior agressividade, promovendo mais stress entre os animais, e o padrão alterado da ingestão de alimento (Huzzey, et al., 2006) se conjuguem determinando este resultado. Para além disso, por cada unidade percentual de aumento na sobrelotação dos cubículos (entre 100% e 150%), a taxa de conceção da manada diminui 0,1% (Schefers, et al., 2010). Na Tabela 2 estão indicadas as alterações comportamentais e as perdas que podem originar numa exploração leiteira.
Tabela 2. Alterações observadas no comportamento das vacas e possíveis perdas económicas resultantes da sobrelotação (Grant, 2015).
Talvez o menor tempo de descanso, predispondo as vacas a uma maior incidência de manqueiras, a maior agressividade, promovendo mais stress entre os animais, e o padrão alterado da ingestão de alimento (Huzzey, et al., 2006) se conjuguem determinando este resultado. Para além disso, por cada unidade percentual de aumento na sobrelotação dos cubículos (entre 100% e 150%), a taxa de conceção da manada diminui 0,1% (Schefers, et al., 2010). Na Tabela 2 estão indicadas as alterações comportamentais e as perdas que podem originar numa exploração leiteira.
Mas a alteração do comportamento natural na alimentação e no descanso, devido à sobrelotação, não é exclusiva das vacas. As novilhas, quando sujeitas a sobrelotação na manjedoura, também alteram o seu comportamento alimentar natural, diminuindo o número de refeições diárias e aumentando a duração das refeições e a quantidade de alimento ingerido em cada uma (DeVries & Von Keyserlingk, 2009). Além disso, também apresentam maior variação do comportamento alimentar ao longo dos dias predispondo à ocorrência de mais distúrbios digestivos. O mesmo comportamento foi observado em vacas secas no período de transição concluindo os autores que a competição decorrente da sobrelotação à manjedoura pode potenciar a maior incidência de manqueiras e doenças (Proudfoot, et al., 2009).
Como gerir a falta de espaço nos estábulos
A necessidade de deslocar os animais para o interior do estábulo durante os meses de Inverno é inquestionável. A melhor forma de gerir a situação seria atribuir um espaço próprio para esses animais, sem necessidade de afetar os restantes. Contudo, algumas regras poderão minimizar os efeitos negativos desta decisão;
1. Fornecer a mistura “Unifeed” adequada a cada lote em quantidade suficiente para que esteja disponível todo o dia. O processamento da mistura não deve permitir a separação das partículas por parte dos animais garantindo que, independentemente do animal comer após a distribuição ou antes da distribuição seguinte, a qualidade da mistura será sempre a mesma.
2. Tentar separar os grupos de risco, mantendo a densidade animal em valores adequados dentro destes grupos. Os mais sensíveis são o grupo das vacas em transição e o das novilhas de primeira lactação.
3. Minimizar o tempo que as vacas passam fora do estábulo e que comprometem o acesso destas ao descanso e à alimentação. Ter especial atenção aos períodos de ordenha, em que as vacas estão impedidas de fazer qualquer uma das outras atividades. Quando uma ordenha demora mais de 2h é aconselhável dividir as vacas em grupos e ordenhar um grupo de cada vez.
4. Dispersar os bebedouros pelo estábulo, evitando a sua colocação em cantos ou locais de pouco acesso pelos animais. Deste modo evitamos que os animais dominantes impeçam o acesso aos dominados.
A densidade animal elevada no estábulo nem sempre implica perdas económicas. Num trabalho recente (De Vries, et al., 2016) foi concluído que, quando aumenta a diferença entre o valor da venda de leite e do custo dos alimentos, a sobrelotação nos cubículos das vacas em produção pode ser aumentada até atingir o ótimo económico nos 120%. Contudo, este trabalho não contabilizou os efeitos da sobrelotação à manjedoura a qual, na prática, está quase sempre associada. Além disso, não teve em consideração os efeitos da densidade elevada sobre o conforto e bem-estar animal.
Atualmente não basta à produção leiteira mostrar que produz leite de qualidade. É necessário que os consumidores sintam que estão a comprar um produto sustentável e que provém de animais sujeitos a práticas de criação que respeitam as suas necessidades e o seu bem-estar. Na falta dessa premissa o setor pode ser sujeito a ações de desagrado por parte do consumo, que promovem uma mensagem negativa da atividade e comportam custos significativos para o setor.